quinta-feira, 22 de julho de 2010

"Educar os filhos em casa"- José Pacheco



O Cleber retirou os seus filhos da escola, educou-os com esmero e foi condenado por “abandono intelectual”. Lei é lei, foi aplicada e não pretendo questionar a sentença, embora lamente que a jurisprudência não possa ser harmonizada com a pedagogia, com evidências e com o bom senso.


O Direito à educação é parte de um conjunto de direitos sociais, que têm como inspiração o valor da igualdade entre as pessoas. Em 1988, as responsabilidades do Estado foram repensadas e promover a educação fundamental passou a ser seu dever. O artigo 205 da Constituição consagra o direito da pessoa ao pleno desenvolvimento, preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Todos, sem qualquer distinção, têm direito à educação e, especificamente, à educação escolar, regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases, a Lei 9.394/96. A Constituição também estabelece que a Educação é dever do Estado e da Família, em regime de co-responsabilidade social, sendo que o primado do dever fica com o Estado. O texto do artigo 205 deixa implícito que a tarefa de educação é, primeiramente, do Estado e, em segunda instância, da família. Esta tem o dever de matricular nas instituições de ensino os filhos em idade escolar. Por seu turno, o artigo 208 diz-nos que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de ensino fundamental obrigatório e gratuito, bem como pelo acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.

Quedemo-nos pelo recordar de alguns princípios norteadores da Educação, nomeadamente do artigo 206 da Constituição: a igualdade de condições para o acesso a escola, liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a arte e o saber; pluralismo de idéias e concepções pedagógicas; valorização do profissional da educação escolar (implantação de medidas práticas como salários dignos...); gestão democrática de ensino público, garantia de um padrão de qualidade de ensino. Quantos destes princípios terão sido concretizados pelo Estado, desde 1988?... Quem questiona os elevados índices de evasão escolar, a falência do ensino, a deterioração das políticas públicas?

Dados divulgados pelo Ministério da Educação dizem-nos serem milhões os jovens que abandonam o ensino fundamental. São, também, muitos milhões os alunos reprovados. Os índices divulgados são preocupantes. Um relatório da Unesco mostrou que o percentual de reprovados no Brasil se assemelhava ao de nações muito pobres, como Moçambique, e era superior inclusive ao de outras bem menos desenvolvidas, 
como Camboja, Haiti ou Ruanda. A Escola brasileira está dissociada da realidade. A maioria dos alunos chega aos bancos universitários sem bases para uma formação superior. E, recentemente, emergiu um novo fenômeno: o total de vagas na rede oficial do ensino não é preenchido e as secretarias de educação decidem prorrogar o prazo de matricula... Sobram os espaços ociosos, professores excedentes, turnos desativados e escolas fechadas... Compete ao Estado proporcionar condições mínimas de qualidade na Educação, porém aquilo que o Estado continua a oferecer aos jovens é uma educação arcaica.

Os direitos fundamentais sociais inserem-se no âmbito daqueles que exigem uma ação positiva do Estado, de modo a que o detentor desses direitos (a pessoa) veja melhorada a sua condição de vida. Canotilho, eminente constitucionalista português, afirma que os direitos sociais são verdadeiros direitos fundamentais e, em razão disso, são imediatamente aplicáveis e geradores de efeitos jurídicos. Perante a inércia do Poder Executivo na efetivação dos direitos sociais, questiona-se a possibilidade de exigir tais direitos perante o Poder Judiciário. Emerson Garcia defende que, sempre que o Estado não cumpra com seu dever jurídico, caberá aos interessados o manejo dos mecanismos de acesso à justiça (tais como o mandado de segurança, o mandado de injunção e a ação civil pública) com a finalidade de fazer valer o direito de que é detentor. E, para Sarlet, os direitos fundamentais sociais prestacionais têm por objeto uma conduta positiva do Estado que consistirá numa prestação fática, o que significa dizer que esses direitos invocam uma constante e progressiva ação estatal rumo à realização da igualdade material entre os cidadãos, a fim de que estes possam usufruir de suas liberdades.

Vários são os tratados e declarações que referem a educação como direito fundamental, essencial para o pleno exercício da cidadania: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração dos Direitos da Criança, o Protocolo Adicional ao Pacto de San José da Costa Rica, a Convenção sobre os Direitos da Criança adotada pela ONU. Todas essas Declarações foram ratificadas pelo Brasil.

O direito à educação está previsto nas constituições brasileiras desde a época do Império. É um direito subjetivo da pessoa humana o acesso à educação, numa irrestrita efetividade. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação regulamenta o direito de qualquer cidadão ou organização de exigir do Estado, pela via judicial, a garantia do acesso à educação. É legítima a ação cominatória tendente a exigir do Estado a indenização por prejuízos causados, nomeadamente por via do alegado “abandono intelectual”. Os cidadãos têm direito de exigir do Estado que não peque por omissão... Nas escolas que o Estado mantém, professores transmissores fingem que ensinam e os alunos fingem que aprendem. Por que razão haverá quem se surpreenda com o ressurgimento do ensino domiciliar? Por que haverá quem a condene?

As escolas alegam não existir legislação que permita a prática do ensino doméstico. Mas, se essas escolas não cumprem os objetivos para que foram criadas, assiste aos pais o direito de procurar alhures aquilo que as escolas recusam aos seus filhos. Será preciso que o Estado deixe de agir como o avestruz em situação de perigo... É urgente reabrir o debate sobre as causas e os riscos do homeschooling.

Não faço a apologia do ensino domiciliar como alternativa à escola (adivinho subtis discriminações, pois nem todos a ele terão acesso). Pugno por uma Escola de todos, agente de transformação social, que assegure o direito universal de acesso e de sucesso... nas escolas e nos lares. Afirmo que a tensão entre domiciliar e escolar não tem razão de ser, embora eu compreenda os receios dos críticos. O domiciliar pode engendrar monstrinhos do digital, pode reforçar o têvêschooling (são milhares de horas de tv a competir com a escola). Mas denuncio os discursos de certos “especialistas” que argumentam com a necessidade da frequência da escola para assegurar processos de socialização. Que processos invocam esses discursos? Àqueles que se desenvolvem na solidão de uma sala de aula? Aqueles que engendram situações de bullying? A que socialização se referem esses “especialistas”? Pés na terra e no chão da escola, por favor! Que não se permita que um idealismo fútil encubra a dura realidade da “socialização” que obsoletas escolas desenvolvem!

O domiciliar é bem mais antigo que o escolar. No tempo em que o ensino era privilégio de alguns, as sinhãs eram educadas por preceptores. E, no Brasil, só poderemos falar da existência de uma rede escolar pública, a partir de 1930. Mas poderemos falar de escola pública num país em que o sistema de ensino é gerador de insucesso, onde é evidente o sucateamento da escola de iniciativa do Estado?

O artigo 55 da Lei 8.069 estabelece que “os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”. Mas o Estado terá o direito de condenar jovens ao fracasso, terá o direito de contrariar o Direito? Ou não reconhece a mesma lei o “direito da criança e do adolescente à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa”? Com a sua corajosa atitude de recusa, o Cleber denunciou o status quo da educação deste país, provocou a reflexão, o debate. Na análise do quadro legal, é notória a existência de um direito subjetivo – a faculdade que o indivíduo tem de invocar a norma jurídica. Acaso haja descumprimento da norma estabelecida, o cidadão poderá invocar a norma a seu favor, valendo-se, portanto, do seu direito subjetivo. À semelhança do movimento cívico, que esteve na origem da Lei Maria Penha, talvez seja pertinente pensar numa Lei Cleber...

A recusa de matrícula dos seus filhos numa escola é mais um sintoma de uma profunda crise. O acirrar da competição pela demarcação de territórios e as histéricas reacções contra o ensino domiciliar nada resolvem. Se muitos pais duvidam da utilidade da Escola, não será oportuno que esta reflicta sobre o porquê dessa dúvida?


* José Pacheco é educador português, especialista em Música e em Leitura e Escrita, mestre em Ciências da Educação. Coordena a Escola da Ponte, da qual é idealizador, instituição notável pelo projeto educativo inovador, baseado na autonomia dos estudantes. É autor de livros e artigos sobre educação.


Fonte: Fonte: http://opensadorselvagem.org/ops/especial/por-uma-lei-cleber

Filme: O Pequeno Nicolau




O que é novo e maravilhosamente assustador para mim - frustrado com tantas adaptações incrivelmente inferiores aos livros que as inspiraram -, é que o filme O PEQUENO NICOLAU é tão bom quanto os livros. Emociona, diverte, encanta. Diálogos ágeis, atores incríveis, música ótima... E mais não devo dizer. Vá ao cinema - se não chegou ainda à sua cidade - espere chegar às locadoras. Vale cada real investido. Assista e depois me conte.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Violência Familiar no Brasil ainda possui índices alarmantes


A questão da violência doméstica no Brasil é coisa séria. Muito séria mesmo, a ponto de dados da UNICEF sinalizarem com números alarmantes, ainda nos dias de hoje, vinte anos depois de ter sido implantado o ECA (Estatuto da Infância e da Adolescência).

 Segundo o Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), os homicídios representam 46% de todas as causas de mortes dos cidadãos brasileiros na faixa etária de 12 a 18 anos. O estudo avaliou 267 municípios do Brasil com mais de 100 mil habitantes e chegou a um prognóstico alarmante: estima-se que o número de adolescentes assassinados entre 2006 e 2012 pode chegar a 33 mil se não mudarem as condições que prevalecem nessas cidades, onde o estudo foi realizado.


Surge aí um elemento novo: a proibição de os pais darem palmadas em seus filhos. Isso vai adiantar? O que agrega? Qual a eficácia?

O governo vai interferir diretamente nas famílias? O mesmo governo que não consegue nem dar educação de qualidade às crianças em idade escolar! Nosso problema continua o mesmo: EDUCAÇÃO!

Um povo educado não bate em suas crianças e adolescentes, porque está bem empregado, come bem, tem lazer e tem tempo de estar com sua prole. Em nosso país as condições são adversas e isso provoca um stress nas relações dos adultos com os jovens. Os adultos estão focados no trabalho, estudo e nas obrigações com o sustento de sua família, enquanto as crianças estão voltadas para o jogo/brincadeiras. São realidades totalmente diferentes e conflitantes. Devemos analisar a relação adulto/criança para propor soluções dentro do possível. Bater em crianças, todos temos consciência que se trata de covardia, mas temos que analisar porque acontece e não simplesmente proibir, coagindo a família a não fazer porque tem uma lei. Melhor seria educar o povo para não cometer crimes de toda ordem – e não só as criminalizadas palmadas como querem alguns.

O erro fundamental da familiares das crianças é que muitas vezes estão altamente estimulados a educar, mas não dispõe de preparo suficiente para isso. Quantas vezes ouvimos mães falando “de brincadeira”, que criança quando nasce não vem com MANUAL DE INSTRUÇÃO. É uma verdade, e teríamos que introduzir no curso fundamental um currículo mais adaptado. Ensinar puericultura, economia doméstica, dados de saúde básica para que a população, mesmo sem saber a raiz quadrada de PI , o seno ou cosseno, conseguisse pelo menos manter sua família e cuidar de seus filhos. Mas nossas escolas são totalmente voltadas para o modelo acadêmico, propondo um currículo onde ninguém finaliza seus estudos antes da chegada a universidade – e sabemos que isso não é uma verdade. Nem todos terão oportunidade de ter um curso superior, ficando totalmente despreparado para a vida. Para que serviu a escola?

Conheci e conversei com um rapaz de 19 anos cursando o ensino médio em uma escola pública do Rio de Janeiro que, perguntado quando o Brasil foi descoberto disse: “Para que quero saber disso”. Foi a resposta. Como esse garoto, temos uma grande população sem nenhum conhecimento acadêmico nem prático. Devemos pensar, como diz o prof. Lauro Oliveira Lima em seu livro Escola Secundária Moderna: “O currículo não é um objetivo em si; é um meio para atingir um fim. Se não for funcional deve ser modificado sem considerações históricas.” Lauro está nos ensinando que devemos fazer o currículo que nosso povo precisa. Devemos ensinar o povo a criar seus filhos. Uma jovem mãe muitas vezes não conhece nem seu próprio corpo, como pode saber como cuidar do corpo de seu filho? Por que o governo não faz uma lei para treinar seus professores, com o objetivo de poder subir o nível de nossa população. Professores bem formados podem orientar os pais para que não batam em seus filhos, dando-lhes alternativas educacionais.

A escola tem como um de seus papéis reeducar a família, que se encontra atualmente sem saber o que fazer diante dos problemas que a vida moderna trouxe para a educação dos filhos. Os professores e a equipe pedagógica têm que transmitir a família o novo clima social. Os pais deverão levar para dentro das escolas os problemas de vida real para serem acompanhados pelos educadores. Muitos dos pais acham que sua maneira de educar é a melhor, não conhecendo outras estratégias Temos que ter claro que a real influencia da escola é mínima com relação a da família. Diz Lauro, com muita propriedade “A função de educar deve ser prestigiada, socialmente, para que adquira a escola, aos olhos da juventude, poderosa força orientadora. Os pais devem prestigiar os mestres de seus filhos.”

Alguns artigos do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) já contemplam essa proibição em pauta (ver Titulo I –art.5, Titulo II – cap. I art. 13 e Cap.II art.15,17 e 18), o que configura a existência de legislação a respeito. Portanto, o que falta não é Lei, mas sim Educação.

Estamos discutindo novamente a moral, porque quando os pais chamam a palmada de “pedagógica”, estão tentando substituir atos educacionais que eles desconhecem por uma fórmula antiga, mas conhecida e até aceita. Não importa a intensidade, pois o ato é o mesmo, senão teríamos que determinar a forca da ação, instrumentos, locais e resultados. NÃO SE PODE BATER EM NINGUEM POR NENHUM MOTIVO. Vamos educar para obter resultados sem constrangimentos. Não devemos esquecer-nos das “pancadas psicológicas”, que acontecem quando os pais não dão atenção para alguma coisa importante para a criança, quando fazem cara feia, puxam a criança, dão sacolejões, ou no caso do bullying. Todas essas atitudes são formas também de agressão, que não deveriam ser permitidas. Algumas destas formas permitidas pela nova lei ocorrem com mais freqüência em locais públicos e talvez causem mais estragos que as famosas palmadas “pedagógicas”. A desobediência das crianças e adolescentes vem da desorganização dos seus responsáveis (pais), que acham tudo interessante na primeira infância e, na medida em que os anos vão passando, resolvem dar ordem onde antes não havia nenhuma. Geralmente, já e tarde demais porque as crianças aprenderam que podem tudo. Nessas horas, não adianta mais puxar o tapete. Educar uma criança começa logo que ela nasce, ao mamar, receber o carinho ou dormir em seu berço.

Vamos então parar de criar leis sobre o que já tem legislação, e sim estudar como fazer cumprir estas leis e questionar porque não são cumpridas. O que falta ao nosso povo? Será que não gostam da lei? Ou será o nível moral que adquiriram que não é o suficiente para que compreendam as regras básicas de viver em sociedade?
 
Fonte: Escola de Pais