sábado, 10 de abril de 2010

“ Por uma pedagogia com rosto”

Quero falar de um rosto. Nem de idéias nem de teorias, um rosto. Um rosto magro, um rosto moreno, um rosto. Pouco sei sobre este rosto, no entanto, é repleto de sentido, sentido que construo em meu viver cotidiano, nas circunstâncias que presencio no em que faço, de operário construído à operário em construção como cantado certa vez pelo poeta.

É do rosto que falo, deste mesmo rosto que me fala, que me pergunta com o olhar, com o cheiro e a cor, em traços estranhos de familiaridade plena, pois o conheço pouco ainda tendo visto muitas vezes. É do rosto do povo que falo. Do rosto de Ezequiel.

Ainda menino, mas com o rosto envelhecido, Ezequiel cata lixo na frente do prédio em que saio. Ezequiel fala comigo, ainda que em silêncio, seu rosto fala!

Ezequiel é homem-menino que sofre na pele e na alma o mundo que ajudamos a produzir todos os dias neste país. O mundo da deserção, um mundo de deserdados.

Ainda que Van Gogh, Gaguim, Portinari, Diego Rivera e outros pintassem, ainda que Sebastião Salgado fotografasse, ainda que Paulo Freire, Marx, Marcuse, Fanon, Fromm, Maturana, Saramago escrevessem, ainda que eu e você que esta lendo vissêmos, ainda assim é preciso pintar, fotografar, escrever, cantar e poetizar esses Ezequiéis, esses imortais Ezequiéis que pelo mundo afora falam com seus rostos. Mais do que uma idéia o que quero com este texto/artigo é uma imagem, o rosto de Ezequiel. O rosto sofrido e calejado que como a metropole que um dia foi capital de nosso país viu de súbito em meio ao seu mar de asfalto e concreto, nascer uma flor, ainda que pequena, certa de sua beleza, certa de sua conquista em terras tão áridas, certa que o poeta cruzaria por ela e a imortalizaria, furando o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

Assim como a flor de Drummond de Andrade, faço do sorriso de Ezequiel uma pequena poesia. Uma homenagem ao sorriso que brota nas ruas de nossas cidades. O sorriso menino, malandro e irreverente que de pouco muito pouco precisa para desabrochar na acolhida de um encontro. A Ezequiel com quem andei meia quadra sonhando ao seu lado, a Ezequiel com quem partilhei meu pouco pão, a Ezequiel que abracei e afaguei num Domingo a noite em uma rua, a Ezequiel com quem compartilhei esperanças no encontro acidental, ao seu rosto que guardo mais do que teorias, pois nele esses anjos uma asa só que são as teorias podem voar encontrando a outra asa no seu corpo. Teoria e prática, como certa vez nos falou Gandhi, são como os homens, anjos de uma só asa, precisam abraçarem-se para alçar vôo. A Pedagogia precisa de rostos. Também precisa de mãos, muitas mãos. Precisa de gente, precisa de nós.

Ao rosto de Ezequiel que nunca mais vi, mas que porém, vejo todos dias em meus sertões interiores, dedico as palavras, as lágrimas, e a minha pedagogia!


Marcio Tascheto da Silva

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