sábado, 15 de agosto de 2009

Dignidade no ato de Alfabetizar



Li certa vez um comentário do escritor Rubem Alves sobre um livro e ele citou: “O primeiro ato de domínio exige que o dominado esqueça o seu nome, perca a memória do seu passado, não mais se lembre de sua dignidade, e aceite os nomes que o senhor impõe. A perda da memória é um evento escravizador.” Fiquei por muitas horas com esse pensamento na cabeça.

Percebi o quanto essa afirmativa me incomodava, ao ponto de tentar refletir sobre ela.
Fui durante um bom tempo professora de alfabetização, do Colégio Andrews no Rio de Janeiro. Lá aprendi muito com a minha supervisora e lembro-me dela falando com um imenso prazer à importância de ser alfabetizador. Através dela conheci vários métodos e uma das premissas que levo comigo na minha prática, é a autoria de se construir um trabalho voltado para a dignidade da pessoa e respeito pela autoria do que se pensa e faz.

Assim fui construindo a minha prática. Lógico que hoje posso falar com mais propriedade do que naquela época. Mas nem por isso o trabalho foi menor.

Naquela época iniciávamos a alfabetização com a escrita do nome. Inventávamos todos os tipos de brincadeiras para ser o elo motivador, para que as crianças se envolvessem com a proposta e falassem de suas vidas.

Era um espaço único. Tínhamos tapete vermelho perto de uma estante cheia de livros infantis, onde ficava a disposição pra quem quisesse ler no devido momento. Éramos muito organizados, tudo tinha o momento certo. Lógico que nada era rígido, mas pra nos entendermos sempre tínhamos os combinados que só mudavam conforme a necessidade. Lembrei-me agora do teatro que fizemos: com o roteiro criado por uma aluna, as personagens criadas por eles e com eles (os atores) construíam o cenário. Parecia mais uma fábrica de idéias do que uma escola convencional. E bota convencional (leia-se tradicional) nisso... Portanto, quando era necessário subvertíamos a ordem.

Ao trabalhar o nome das crianças lançávamos a ideia do quanto àquela história era única. O quanto ele era importante pra ser ouvido por todos. Portanto, o nosso tamanho era igual, mesmo quando a fita métrica insistia em dizer que não era verdade. Com isso o companheirismo, a solidariedade, a cumplicidade na construção de um conhecimento acontecia naturalmente.

Éramos tão próximos que a minha autoridade se fazia presente sem maiores esforços. Líamos todos os dias, com freqüência havia um relator de histórias ou um escritor. Aliás, tive vários escritores e que hoje em dia confesso a vocês que são jornalistas.
E para completar a história, digo que são ótimos jornalistas e escritores, vivem da leitura até hoje.

Se a intenção de ter na sala de aula, um espaço de leitura, a convivência diária com os livros e uma boa dose de autoconhecimento, que os ajudaram a escolher a futura profissão, eu não tenho certeza, mas tudo me indica que em muito ajudou.

Portanto, ter uma escola é muito mais do que se ter prédio, carteira e computador. É ser cidadão de sua história, é ter uma história pessoal bem construída e bem resolvida. Se conhecer deve ser uma das condições do ato de ensinar. Não se pode ser adulto sem conhecer a criança que existe em você. A responsabilidade de tornar a sua vida profissional expressiva depende exclusivamente da imagem que você possui de você mesmo.

A criança recupera facilmente um erro, mas uma frustração é algo doloroso e que não deve fazer parte do repertório de atividades da escola.

Quando vejo algum professor falar de seu aluno de forma a diminuí-lo, sinto revolta da falta de clareza do mesmo. Não nascemos “estrelas”, nos tornamos “estrelas”. Cada professor tem por finalidade em sua educação, torná-lo um cidadão, completo no seu desejo de se tornar um indivíduo único e introduzir na pauta de trabalho a consciência que todas as pessoas, estão aptas a exercerem sua cidadania. O que se tem a fazer é ajudá-lo a recuperar o verdadeiro sentido da vida. Essa é a condição indispensável para que a criança possa reconhecer a paisagem social em que está inserida e possa ser capaz de fazer a sua leitura e principalmente, possa situar-se nela como alguém que tem deveres e direitos, como alguém que pode atuar sobre essa realidade, contribuindo para mantê-la ou transformá-la.

Nessa sala havia autonomia. Havia muita felicidade pelo que éramos. Sinto saudades das histórias, talvez por não ouvir mais as verdades que elas continham. E podem acreditar que são muitas...

Mas... Sinto-me também confortável aos vê-los doutores de palavras e dignos do que pensam e fazem.
A eles a minha eterna gratidão por fazer parte de suas vidas

terça-feira, 11 de agosto de 2009

A escola pode ser legal


Hoje vamos conversar sobre uma escola legal... Antes, procuro refletir o que significa na língua portuguesa a palavra “legal” que é muito utilizada por todos nós.
Esta representa em nosso cotidiano, algo interessante, bom, bonito... “Legal” passou a ser um adjetivo que tenta expressar sempre algo positivo.
Ao buscar o significado da palavra legal no dicionário, encontramos muitas definições e algumas delas são: legal - amável, compreensivo (uma professora legal), interessante, curioso (uma dica legal), justo (uma decisão justa).

Assim, lembro-me de quando criança sempre me referir à escola de meus sonhos como sendo uma escola legal. Não me surpreendo quando vejo que em minha vida e provavelmente na de muitos que conheço; de se referir a uma escola legal, declarando alto e em bom som que passaram por uma “professora legal”. Essa para mim é a melhor definição!

E o quadro que vejo dessa época são as lembranças dos incentivos que tive, e por incrível que pareça eles sempre vieram dos professores vinculados a artes plásticas e outras tantas lembranças eram da merenda, lembrança agradável ao sentir os sabores. Parece que tudo era mais gostoso. E mais tarde lembro-me daqueles que trabalhavam na cantina. Sempre gostei de ouvi-los, eles possuíam as melhores histórias. Conheciam a escola de uma forma lúdica e muito criativa.

Mas, afinal o que significa uma escola legal? Com certeza significa que na vivência escolar os dois significados da palavra legal caminham juntos. Esta se reporta a uma educação de qualidade e amparada pela lei (legal) nacional.

A educação no espaço escolar deve discutir qual a concepção de escola em que acreditam. Essa concepção está refletida em seu projeto político pedagógico, como construção de uma filosofia de trabalho. Esta definição de educação traz um grande avanço para a cidadania, quando a educação passa a ser um direito de todos. A atual Constituição também chamada de “Constituição Cidadã”, pelos seus avanços nos direitos do cidadão, dispõe de um capítulo intitulado “Da Educação, da Cultura e do Desporto” no qual a seção I é destinada à educação (art. 205 ao art. 213)”.

Nela educação é definida como “(...) dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tendo por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 2º).

Assim, percebemos que legalmente educação é responsabilidade de todos e que é necessária à estreita relação entre Estado, sendo representado pela escola pública e a família.

Mas, compreender os avanços educacionais passa pela percepção que tenho do que seja uma escola “legal”. Parece que temos que unir esforços para ampliar essa concepção, que passa pelos diferentes atores: pais, alunos, professores e comunidade. Um dos principais componente desse cenário, os pais necessita ser ouvido, para atendermos o que eles esperam da escola e quais os princípios e valores que norteiam a educação que se quer implantar.

Hoje, entendemos que muitos professores acreditam que é fundamental a participação da família na construção de uma escola de qualidade e com muita responsabilidade construir o melhor currículo para essa comunidade.

Só assim compreendo que uma escola legal, tem o compromisso no Amor e na escolha de todos que assumiram essa profissão, construindo com os seus parceiros uma sociedade democrática.

Com certeza o caminho é longo, percorrer os caminhos viáveis, independente que uma legislação venha nos autorizar e sim de vontade política. E com certeza entender melhor a infância e suas etapas de desenvolvimento humano, vem contribuir em um maior compromisso e responsabilidade de todos que participam desse processo.

Vejo que no cenário educacional quando relatamos uma escola legal, sempre nos vem à mente uma sala de aula confortável, com uma aula agradável e bons professores. É inegável que o conforto nos trás um bem enorme, porém nenhum avanço "tecnológico" irá substituir o contato humano entre professor x aluno. O maior conforto e segurança que um professor consegue construir no seu trabalho diário; é o de conhecer e reconhecer o seu aluno como um indivíduo único. É daí que nasce a verdadeira escola legal, esta se vê em construção e com uma identidade própria.

Por mais que avancemos a escola guarda em si o mistério, a curiosidade de ser um espaço de idéias e ideais, onde guardamos o nosso maior patrimônio- o conhecimento. Ainda não existe um lugar mais confortável que este, que democraticamente evolui o pensamento educacional. Portanto, a escola permanece a despeito de tudo e de todos, no rol dos livros técnicos, sendo descoberta e construída por diferentes pensadores o que seja uma escola legal.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A escola e a diversidade ambiental


Tenho lido diferentes assuntos, mas sempre leio assuntos relativos ao Meio-Ambiente. Como trabalho em educação, este tema é discutido no ambiente escolar, mesmo que seja por um período, volta e meia recebemos orientações de como trabalhar assuntos como: mudanças climáticas, biodiversidade, segurança alimentar e diversidade étnico-racial, que em 2003 reconheceu a importância da Lei 10.639, que torna obrigatória o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira em todas as escolas do Brasil, no ensino fundamental e médio. Apesar da obrigatoriedade, ressalvo que ainda estamos longe de tratar o assunto com a importância que merece.

O Brasil possui um perfil que demonstra que a nossa sociedade é plural, composta por uma grande diversidade de povos e culturas, mas também é marcada por uma enorme desigualdade social, entre brancos, negros e indígenas. Uma grande parte da população brasileira está às margens da sociedade, sem direito ao pleno acesso à cidadania.

Mas existem movimentos sociais, como o movimento negro e o indígena, que têm exigido o reconhecimento e a valorização de sua identidade, da sua história e cultura. O grande desafio que o Brasil apresenta hoje é a garantia de condições para que a diversidade étnico-racial e a igualdade social sejam partes cotidianas de toda uma sociedade emergente.

Existem hoje no Brasil por volta de 440 mil indígenas, organizados em 220 etnias, que falam cerca de 180 diferentes línguas. Eles representam agora apenas 0,24% da população brasileira. É importante que seja assegurado, que os povos indígenas possam manter o seu modo de vida, tradições, formas de organização, que possam falar a sua própria língua, administrar suas terras e decidir de que maneira querem educar suas crianças e jovens. E é importante que participem do desenvolvimento político, social, econômico e cultural do Brasil.

Isto tudo depende, principalmente, de que cada comunidade indígena tenha o seu território tradicionalmente ocupado demarcado como seu. São reconhecidas que terras cultivadas, terras que são ocupadas e os recursos naturais, são territórios indígenas, estas terras são reconhecidas pela Constituição Brasileira, portanto ninguém pode usá-la a não ser os próprios. Para se ter uma idéia, existem 2.228 escolas indígenas cadastradas pelo Censo de 2004, fora outras não cadastradas.

O que se pode tirar dessa realidade é que o Brasil é um País que as cidades cresceram muito, mas ainda 1/5 da população mora fora das zonas urbanas. São os povos da floresta, da pecuária, das minas, da agricultura, os pesqueiros, caipiras, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas entre outros. A educação nessas comunidades deve ser diferenciada e deve ajudar a preservar a memória, atender às necessidades do presente e ajudar a construir o futuro que cada uma deseja.
Hoje em dia sabemos que as teorias sobre as raças estavam erradas e que os seres humanos pertencem todos à mesma espécie- a raça humana.

O que percebo é que poucos sabem e pouco é debatido nas escolas é o acordo internacional que orienta os estudos e debates sobre a diversidade étnico-racial, que é a Declaração de Durban, assinada durante a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada pela ONU, na áfrica do Sul, em 2001.
Nessa Conferência participaram diversos movimentos sociais defensores da igualdade étnico-racial, como o movimento negro. O Brasil apresentou um programa de ação afirmativa, que tem o propósito de diminuir a desigualdade social existente entre os grupos étnico- raciais.
Para se ter idéia a Declaração de Durban teve enorme repercussão e a mesma deve fazer parte de leitura obrigatória nas escolas quando se quiser falar sobre diversidade étnico-racial. Esta é uma das afirmativas em seu documento: “Todos os povos e indivíduos constituem uma única família humana, rica em sua diversidade”.

Muito daquilo que sabemos do mundo chega até nós pelos meios de comunicação, seja revistas ou outros instrumentos. Então, é importante observar de que modo as minorias estão sendo retratadas na mídia. Esse olhar muda e muito a nossa avaliação.

Por outro lado, podemos usar esses meios para mostrar a nossa realidade, o jeito como vivemos, pois é assim que a gente conhece e reconhece a diversidade, e passa a entender e respeitar outros modos de vida.

A responsabilidade de tratarmos desses assuntos no espaço escolar passa pelo respeito à diversidade que deve compartilhar o permanente diálogo na comunidade e na sociedade.
Existem organizações sociais e governamentais que tratam desse tema e a presença da criança, do jovem e do adolescente ajuda a pensar e definir como será futuro que queremos.

Outro assunto muito relevante e complementar trata das questões referentes a segurança alimentar e nutricional que em breve iremos conversar.




domingo, 9 de agosto de 2009

O que há de errado com seu pai?


Alguém já disse: “é importante gastar menos tempo
com a nossa aparência e mais tempo com como nós vemos”?
Se não, alguém deveria.

Carmen Richardson Rutlen


Eu estava no ginásio antes de perceber que meu pai tinha um defeito de nascença. Ele tinha lábio leporino e fenda palatina, mas, para mim, continuava com a mesma aparência que tinha no dia em que nasci. Lembro-me de dar-lhe um beijo de boa noite certa vez, quando eu era pequena, e perguntar se meu nariz ficaria chato depois de uma vida inteira dando beijos. Ele me assegurou que isso não aconteceria, mas me recordo de um tremor em seus olhos. Tenho certeza de que ele estava assombrado por ter uma filha que o amava tanto, que pensava que seus beijos, não trinta e três cirurgias, haviam remodelado seu rosto.

Meu pai era gentil, paciente, atencioso e amoroso. Ele nunca encontrou uma pessoa na qual não pudesse vislumbrar qualidades. Sabia o primeiro nome de serventes, secretárias e diretores. Na verdade, acho que ele gostava mais dos serventes. Sempre perguntava sobre suas famílias, sobre quem eles achavam que iria ganhar o campeonato de futebol e sobre como andava a vida. Preocupava-se o suficiente para escutar suas respostas e lembrar-se delas.

Papai nunca deixou que sua deformação comandasse sua vida. Quando foi considerado muito feio para trabalhar com vendas, começou a fazer entregas de bicicleta e criou sua própria clientela. Quando o exército não permitiu que ele se alistasse, ele se ofereceu como voluntário. Chegou até mesmo a convidar uma Miss América para sair, uma vez.
- Se você não perguntar, nunca vai saber- disse-me mais tarde.

Raramente falava ao telefone, pois as pessoas tinham dificuldades para entendê-lo. Quando o encontravam pessoalmente, com sua atitude positiva e sorriso fácil, pareciam não levar sua deficiência em consideração. Casou-se com uma linda mulher e tiveram sete crianças saudáveis, que achavam, todas, que o sol e a lua nasciam em seu rosto.

Quando eu era uma “adolescente sofisticada”, entretanto, mal tolerava estar no mesmo aposento com este homem que, durante uma década, me aturou enquanto eu o observava fazendo a barba todas as manhãs. Meus amigos eram chiques, na moda e populares; meu pai era velho e ultrapassado.

Numa noite eu cheguei com o carro cheio de amigos e paramos na minha casa para fazer um lanche de madrugada. Meu pai saiu de seu quarto e cumprimentou meus amigos, servindo refrigerantes e fazendo pipoca. Um de meus amigos me puxou para o lado e me perguntou:
- O que há de errado com seu pai?

De repente, olhei através da cozinha e o vi pela primeira vez com olhos imparciais. Fiquei chocada. Meu pai era um monstro! Fiz com que todos saíssem imediatamente e levei-os para casa. Senti-me tão idiota. Como podia ter deixado de ver?
Mais tarde, naquela noite, eu chorei, não porque percebi que meu pai era diferente, mas porque percebi que pessoa fútil e patética eu estava me tornando. Ali estava a pessoa mais doce e carinhosa que você poderia pedir e eu o havia julgado por sua aparência.

Naquela noite eu aprendi que, quando você ama totalmente alguém e então a vê através dos olhos da ignorância, do medo ou do desprezo, começa a entender a profundidade do preconceito.Eu havia visto meu pai como os estranhos o viam, como alguém diferente, deformado e anormal. Sem me lembrar que ele era uma boa pessoa que amava sua esposa, seus filhos e seus semelhantes. Ele tinha alegrias e tristezas e já vivera uma vida inteira sendo julgado pelas pessoas por sua aparência. Fiquei grata por tê-lo conhecido primeiro, antes que as pessoas me mostrassem seus defeitos.

Papai já se foi. Empatia, compaixão e preocupação pelo próximo são o legado que ele me deixou. São os maiores presentes que os pais podem dar a um filho- a capacidade de amar os outros sem considerar sua posição social, raça, religião ou incapacidades físicas, mas os dons da perseverança positiva e do otimismo. O sublime objetivo de ser tão amorosa em minha vida que receba beijos o bastante para que meu nariz fique chato.


Carol Darnell

Fonte: Histórias para Aquecer o Coração