sábado, 11 de julho de 2009

Papel Carbono


Você acabou de receber a notícia que seu filho é diferente e especial. Nesse momento você ainda não sabe precisamente o que lhe espera e nem sabe o que falar. Não tem certeza do que isso significará para o crescimento e desenvolvimento de seu filho. Você está cheio de dúvidas, inquietações, perguntas e quer algumas respostas.

Esses sentimentos acontecem sempre. Porém, a realidade faz com que você enfrente a diversidade e vá em busca de um aprendizado. Nesse momento a união da família faz toda a diferença. Esta se dispõe a caminhar junto e faz desses momentos um grande aprendizado. Ouço muitos depoimentos de muitas famílias que lidam com crianças especiais que suas vidas mudaram depois dessa experiência e se sentem gratificadas por fazer parte da vida dessas pessoas tão especiais.

E parece-me que esse sentimento é comum a todos e passa a ser grandiosa nas relações diárias. Essas crianças necessitam de tudo que qualquer criança necessita, como: carinho, atenção, nutrição, disciplina, educação, brincadeira, compreensão e paciência.

Para se cuidar de crianças portadoras de uma deficiência é necessário muito envolvimento e nem toda família consegue parar as suas atividades para cuidar dessa criança em horário integral.

Assim, começa o seu grande dilema, que com certeza independe do seu querer e acontecem com crianças, jovens e idosos, não importando a idade. É um momento que presenciamos com freqüência e vemos o quanto é doloroso para a família.

Nessa semana assisti uma reportagem de um jornal de renome, dando uma péssima notícia. Fiquei estarrecida com o que vi e ouvi. A reportagem falava de certa “acompanhante” de uma jovem portadora de deficiência mental e física, que ao ser cuidado era assustadoramente agredida pela mesma. Assim, a reportagem tratava em relatar as ações desumanas, que acontecem com pessoas com tamanha dependência, seja física ou outras. Estas cenas só foram denunciadas, porque a família suspeitou e gravou em vídeo. O que presenciamos foram cenas de total frieza, crueldade, dessa pessoa que se diz ajudante e/ ou acompanhante, para com essa portadora de deficiência. Fica claro que esta impossibilitada de se defender ou de sequer relatar para a sua família o que acontecia.
Quando se depararam com a situação , viram cenas desastrosas, de um verdadeiro crime hediondo.

Infelizmente, essa família não conseguiu perceber a imagem que esta “acompanhante” fazia de sua pessoa e consequentemente de sua “ profissão”. A isto denomino de “papel carbono”, onde o modelo exposto nem sempre confere com a cópia. Quando você escreve a história de vida dessas pessoas, você verá que as marcas que ficam, muitas das vezes são confusas, desconexas, invertidas. Tão confusas e complicadas que nem elas mesmas se definem. Assim, aquele que parecia inofensivo, havia em seu caráter traços de personalidade extremamente danosos a saúde de qualquer pessoa. Você pode e deve imaginar como deve ser a “psique” de uma pessoa que consegue maltratar uma deficiente em plena execução de seu trabalho. As agressões físicas e psicológicas passam a ser usadas diariamente, sem remorso nenhum.

Quando abrimos as portas de nossa casa para uma pessoa trabalhar, não imaginamos e nem acreditamos que estejamos diante de uma pessoa incompetente e extremamente “desequilibrada” de suas faculdades emocionais, passando a ser agressora daquela pessoa ao qual foi contratada para cuidar.

Quando temos responsabilidades em nosso trabalho, quando respeitamos o outro, quando admiramos o que somos, diante do nosso desempenho profissional, passamos a acreditar que a qualidade de vida é um direito de todos, portanto, todos que desempenham uma tarefa são tão responsáveis por suas ações, como quem ainda está em fase de aprendizado. Nada justifica que em nome da incompetência em lidar com os meus fantasmas eu prejudique os demais.

O que nos amedronta é que essas pessoas que se dizem qualificadas em desempenhar determinadas tarefas, não demonstram em suas ações o seu desvio de caráter. São tão dissimuladas, que só um profissional da área conseguirá ver algum traço. Resumindo a idéia: Quem não se ama, não se cuida, portanto não tem condições de cuidar de ninguém. Cuidar requer envolvimento, criação de vínculo e muita amorosidade.

O que fica com essas experiências trágicas é que para se contratar alguém hoje em dia, deve-se ficar atento aos antecedentes dessa pessoa. As perguntas devem deixar o porquê e ir à direção ao como. Normalmente, em algum momento de sua vida, essa pessoa já cometeu algum vacilo. O seu repertório de fracasso costuma aparecer na falta de paciência. Sei o quanto é difícil para essa família se ver e se reconhecer numa situação dessas. Normalmente vem como um ato punitivo a culpa.

Mas uma atitude de prevenção nunca é demais. Observe muito de perto como essa pessoa fala mais do que deve ou nada fala. Se o seu olhar é um olhar seguro e de contato (de quem olha em seus olhos), tem iniciativa em situações imprevistas, gosta de algum animal. Cuida das pessoas ao seu redor, fala delas com carinho e sinceridade. Já passou algum final de semana com os idosos de sua família. Perguntas como essas são fundamentais, elas nos demonstram a relação desta pessoa com o mundo que a cerca. Pessoas que nunca diz o que pensa, nunca têm opinião de nada e nunca contraria ninguém, em algum momento irá se meter em uma grande encrenca.

Outras atitudes menos complicadas do que essa, é você conhecer melhor o Estatuto dos deficientes, ver quais são os direitos e deveres de um profissional qualificado, que normalmente costumam ser os Terapeutas Ocupacionais. Recusar pessoas que em sua grande maioria, não possuem nenhuma qualificação profissional. Esses “cuidadores” de deficientes e de pessoas idosas, por exemplo, têm e devem se profissionalizar e conquistarem todos os seus direitos profissionais.

Por isso, apesar da falta de eficiência dos órgãos públicos de orientar as famílias nessas questões, vejo que a falta de conhecimento nos tornam vítimas de pessoas nada escrupulosas. Em toda profissão existe os maus e bons profissionais. E existem aqueles que se acham no direito de exercer um trabalho sem menor qualificação, seja intelectual, moral e principalmente emocional.

Portanto, cuidado! Não se intimide diante de uma injustiça. Denuncie sempre. Assim não só você irá minimizar a sua dor e contribuirá para que outras pessoas não passem pelo mesmo.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Danuza Leão

Não há nada que me deixe mais frustrada
do que pedir sorvete de sobremesa,
contar os minutos até ele chegar
e aí ver o garçom colocar na minha frente
uma bolinha minúscula do meu sorvete preferido.
Uma só.

Quanto mais sofisticado o restaurante,
menor a porção da sobremesa.
Aí a vontade que dá é de passar numa loja de conveniência,
comprar um litro de sorvete bem cremoso
e saborear em casa com direito a repetir quantas
vezes a gente quiser,
sem pensar em calorias, boas maneiras ou moderação.

O sorvete é só um exemplo do que tem sido nosso cotidiano.

A vida anda cheia de meias porções,
de prazeres meia-boca,
de aventuras pela metade.
A gente sai pra jantar, mas come pouco.

Vai à festa de casamento, mas resiste aos bombons.

Conquista a chamada liberdade sexual,
mas tem que fingir que é difícil
(a imensa maioria das mulheres
continua com pavor de ser rotulada de 'fácil').

Adora tomar um banho demorado,
mas se contém pra não desperdiçar os recursos do planeta.

Quer beijar aquele cara 20 anos mais novo,
mas tem medo de fazer papel ridículo.

Tem vontade de ficar em casa vendo um DVD,
esparramada no sofá,
mas se obriga a ir malhar.
E por aí vai.

Tantos deveres, tanta preocupação em 'acertar',
tanto empenho em passar na vida sem pegar recuperação...

Aí a vida vai ficando sem tempero,
politicamente correta
e existencialmente sem-graça,
enquanto a gente vai ficando melancolicamente
sem tesão...

Às vezes dá vontade de fazer tudo 'errado'.
Deixar de lado a régua,
o compasso,
a bússola,
a balança
e os 10 mandamentos.

Ser ridícula, inadequada, incoerente
e não estar nem aí pro que dizem e o que pensam a nosso respeito.
Recusar prazeres incompletos e meias porções.

Até Santo Agostinho, que foi santo, uma vez se rebelou
e disse uma frase mais ou menos assim:
'Deus, dai-me continência e castidade, mas não agora'...

Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem,
podemos (devemos?) desejar
várias bolas de sorvete,
bombons de muitos sabores,
vários beijos bem dados,
a água batendo sem pressa no corpo,
o coração saciado.

Um dia a gente cria juízo.
Um dia.
Não tem que ser agora.

Por isso, garçom, por favor, me traga:
cinco bolas de sorvete de chocolate,
um sofá pra eu ver 10 episódios do 'Law and Order',
uma caixa de trufas bem macias
e o Richard Gere,
nu,
embrulhado pra presente.
OK?
Não necessariamente nessa ordem.


Depois a gente vê como é que faz pra consertar o estrago . . .

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Oração da Criança Eletrônica

Papai do céu,Não quero te pedir nada de especial nem fora do alcance, como fazem tantas crianças em sua oração da noite.
A Ti, que és bom e protege todas as crianças da terra, venho pedir um grande favor, sem que meus pais fiquem sabendo: transforma-me em um televisor, para que eles cuidem de mim como cuidam da sua TV, e que me olhem com o mesmo interesse com que mamãe assiste à sua novela preferida, ou papai ao jogo de futebol.Eu quero falar como certos animadores que, quando se apresentam, fazem minha família se calar para os ouvir com atenção e sem nenhuma interrupção.
Ah! Papai do Céu, como eu gostaria de ver minha mãe suspirar diante de mim, como faz quando assiste a desfiles de moda, ou de fazer rir meu pai, tal como o conseguem o Jô e outros humoristas, ou simplesmente que acreditassem em mim quando lhes conto minhas histórias, sem precisar dizer: “É verdade! Eu vi na TV!”
Quero me transformar num televisor para ser o rei da casa, o centro das atenções, ocupando o melhor lugar, para que todos os olhares se voltem para mim.Quero sentir sobre mim a preocupação que têm meus pais quando surge um defeito no televisor, chamando logo um técnico para o concertar ...
Quero ser um televisor para me tornar o melhor amigo de meus pais, o que mais influi em suas vidas, para que se lembrem de que sou filho e aquele que, afinal, lhes mostrará mais a paz que a violência.Papai do Céu, por favor, deixe-me ser um televisor ao menos um dia de minha vida!


(Adaptado de “Informativo NOTIMOVIL”, Buenos Aires, setembro / 97)

terça-feira, 7 de julho de 2009

DEFINIÇÃO DE SAUDADE - artigo do Dr. Rogério Brandão, Médico oncologista

Como médico cancerologista, já calejado com longos 29 anos de atuação profissional (...) "... posso afirmar que cresci e modifiquei-me com os dramas vivenciados pelos meus pacientes. Não conhecemos nossa verdadeira dimensão até que, pegos pela adversidade,descobrimos que somos capazes de ir muito mais além.

Recordo-me com emoção do Hospital do Câncer de Pernambuco, onde dei meus primeiros passos como profissional. Comecei a freqüentar a enfermaria infantil e apaixonei-me pela oncopediatria. Vivenciei os dramas dos meus pacientes, crianças vítimas inocentes do câncer.

Com o nascimento da minha primeira filha, comecei a me acovardar ao ver o sofrimento das crianças. Até o dia em que um anjo passou por mim! Meu anjo veio na forma de uma criança já com 11 anos, calejada por dois longos anos de tratamentos diversos, manipulações, injeções e todos os desconfortos trazidos pelos programas de químicos e radioterapias. Mas nunca vi o pequeno anjo fraquejar. Vi-a chorar muitas vezes; também vi medo em seus olhinhos; porém, isso é humano! Um dia, cheguei ao hospital cedinho e encontrei meu anjo sozinho no quarto.

Perguntei pela mãe... A resposta que recebi, ainda hoje, não consigo contar sem vivenciar profunda emoção. " - Tio, disse-me ela, às vezes minha mãe sai do quarto para chorar escondido nos corredores. Quando eu morrer, acho que ela vai ficar com muita saudade. Mas, eu não tenho medo de morrer, tio. Eu não nasci para esta vida!" Indaguei: - E o que morte representa para você, minha querida? " - Olha tio, quando a gente é pequena, às vezes, vamos dormir na cama do nosso pai e, no outro dia, acordamos em nossa própria cama, não é?" (Lembrei das minhas filhas, na época crianças de 6 e 2 anos, com elas, eu procedia exatamente assim.) - É isso mesmo. "- Um dia eu vou dormir e o meu Pai vem me buscar. Vou acordar na casa Dele, na minha vida verdadeira!"

Fiquei "entupigaitado", não sabia o que dizer. Chocado com a maturidade com que o sofrimento acelerou, a visão e a espiritualidade daquela criança. "- E minha mãe vai ficar com saudades, emendou ela." Emocionado, contendo uma lágrima e um soluço, perguntei: - E o que saudade significa para você, minha querida? - Saudade é o amor que fica! Hoje, aos 53 anos de idade, desafio qualquer um a dar uma definição melhor, mais direta e simples para a palavra saudade: é o amor que fica!

Meu anjinho já se foi, há longos anos. Mas, deixou-me uma grande lição que ajudou a melhorar a minha vida, a tentar ser mais humano e carinhoso com meus doentes, a repensar meus valores. Quando a noite chega, se o céu está limpo e vejo uma estrela, chamo pelo "meu anjo", que brilha e resplandece no céu. Imagino ser ela uma fulgurante estrela em sua nova e eterna casa. Obrigado anjinho, pela vida bonita que teve, pelas lições que me ensinaste, pela ajuda que me deste. Que bom que existe saudade! O amor que ficou é eterno.


Rogério Brandão

Médico oncologista clinico
RC Recife Boa Vista D4500

Final de semana

Há um mês estou impossibilitada de sair. Por um momento de distração escorreguei e quebrei a perna. Nada de diferente do que acontece com muitas pessoas, inclusive o fato do ocorrido ser uma aventura diária de muitas pessoas, de se pegar o ônibus cheio, sem conforto e em péssimas condições para ir ao trabalho.

Não muito diferente também, foi o péssimo atendimento no hospital. Coisa que só a população que necessita sabe do que estou falando.

Ocorreu de forma não diferente, quando necessitei de uma licença médica para entregar no trabalho, cuja intenção é justificar a ausência do funcionário. Daí me veio à pergunta: O que é ter uma vida boa?

Se eu fosse apelar para a filosofia, teria que ir desde Platão até os filósofos contemporâneos, correndo o risco de não encontrar uma resposta. Entretanto, recorro ao meu individualismo, que por si só, sustentaria uma única resposta, visto que a mesma seria induzida pela minha intuição.

Passamos horas e horas de nossos dias trabalhando. Esperamos ansiosos pelos fins de semana. Tentamos encontrar nos calendários os feriados, numa intenção explícita de assegurar o descanso. Não é à toa que sair pra conversar com os amigos, jantar fora, tomar um sorvete e até ir ao parque com os filhos, nos dá um prazer enorme. Mas... Para algumas pessoas isso ainda é pouco.

Quando se fica impossibilitada de ir e vir como gostaríamos, nos sentimos cerceados de fazer muitas coisas. E essa desconstrução do que compreendo por democracia, liberdade, fere toda uma expectativa de vida que me disseram que existia. Como acreditar que a minha liberdade depende da solidariedade de outras pessoas? Não me parece que essa circunstância seja diferente, de pessoa pra pessoa, portanto somos pessoas agregadas, um coletivo. Então, porque não nos dispomos a aprender uns com os outros ou talvez com os animais? Temos muitos exemplos de comunidades. Que racionalidade é essa que nos coloca frente a frente com as dificuldades e não aprendemos nada com ela?

Aventurei-me... Desci a escada pra encontrar a resposta. Observei de longe, do outro lado da rua um casal. Eles se digladiavam, como dois búfalos. Por um momento o meu quarto pareceu-me mais seguro e acolhedor. Tentei voltar, mas já era tarde, já estava envolvida com o que via. De repente, vejo umas crianças brincando. Os seus pais, distantes, como se os dois não existissem. Voltei a me perguntar: O que é uma vida boa?

Essa pergunta insistia em ter uma explicação razoável. Olhei, observei um pouco mais o que se passava. O retrato de uma infância perdida insistia nos meus olhos. As crianças se cansaram de tanto correr de lá pra cá, sem objetivo nenhum. O casal desistiu de medir forças e de dizer um para o outro o quanto eram importantes em suas vidas. Saíram correndo como duas crianças sem objetivos de vida.

Subi, liguei a TV na tentativa de imaginar uma companhia e desesperada por ouvir boas notícias. Erro meu... O quadro exposto não foi diferente. A necessidade de promoção, de audiência, não foi o suficiente para nenhum canal de TV fugir do que era previsível.

A minha cabeça começa a fervilhar... O descontentamento nos leva a investigar, mesmo que o território só seja o seu universo.

Fiquei a pensar se não seria essa falta de conexão, de subjetividade que nos move a um desejo maior. Será se a minha incompletude não seria o suficiente pra encontrar a tal vida boa? Não sei... Mas não acredito em uma única forma de pensamento. Com certeza este não é e nem será um privilégio de algumas pessoas com maior grau de religiosidade, moralidade ou humanismo.

Sob esse ponto de vista, não devemos abandonar os conceitos da boa tolerância, da qualidade de vida em nome da democracia. Podemos buscar alternativas em busca de uma boa vida na pluralidade das convivências.

Se de fato os aspectos morais, religiosos e culturais não for o suficiente para nos conduzir em boas atitudes, que pelo menos a nossa existência seja um reflexo do nosso aqui e agora.

Mas confesso que a vida é difícil. Difícil de entender e difícil de explicar. Talvez a sociedade contemporânea esteja escrevendo as relações humanas de uma outra forma tão diferente, que nesse momento não conseguimos atingi-las em palavras. Ou sejamos exigentes demais em tentarmos explicar, o que no momento nos parece inexplicável.

Portanto, volto a esse assunto em outra oportunidade.

domingo, 5 de julho de 2009

Tecendo as Palavras


“As palavras não nascem amarradas,
Elas saltam, se beijam, se dissolvem
No céu livre por vezes um desenho
São puras, largas, autênticas, indevassáveis”
(Carlos Drummond de Andrade)

Hoje vim conversar sobre a palavra, esta que tem nome, tudo pode e tudo é nomeado em nossas relações sociais.

Falar da palavra escrita é falar de tempo, algo difícil de expressar e alguns diriam que a palavra quando é bem escrita torna-se atemporal.

Nas relações com os indivíduos nos organizamos socialmente e negociamos diariamente muitas possibilidades de sentidos e significados do que é escrito e falado. Apresenta-se num constante movimento interativo, onde refletimos sobre as experiências vividas e nos apoiamos criando um universo próprio de falas e escritas, que de geração em geração muda constantemente.

A linguagem revela a nossa condição de leitor e vai além, pois fala da nossa condição social e dos desejos nem sempre confessáveis.

Vista dessa forma, a linguagem é uma atividade que é criada pelo sujeito e por eles é constituída. Não é a toa que as gírias passam de boca a boca e são recriadas nesse mesmo circuito de interações. Mudam rapidamente. Assim, tivemos bons períodos de boas safras, cito abaixo algumas gírias usadas em diferentes décadas:

Gírias dos Anos 60 e 70
Boko-moko: pessoa que não sabe se comportar
Carango: carro
Mora: entende
Plá: conversa
Tá ruço: tá ruim
Na crista da onda: em pleno sucesso
Lelé da cuca- louco
Prafrentex- avançado
Cricri- chato

Gírias dos anos 80 e 90
Chaveco: cantada, paquera
Detonar: livra-se de uma tarefa ou pessoa
Queimar o filme: perder uma boa oportunidade ou deixar de cumprir um compromisso
Mauricinho: sujeito arrumadinho, sempre com roupas de grife. Sua versão feminina é a patricinha
Ficar: namorar leve, uma noite, algumas horas, sem compromisso
( Marcelo Duarte, O guia dos Curiosos)
Existem outras bem legais, como meter a língua onde não é chamado pode ser bem divertido... Dá prazer se brincar com as palavras, algo que a escola tenta resgatar a qualquer preço. Fazer da escrita algo comunicativo é muito mais prazeroso do que fazer dela um dicionário ambulante. Por isso ando jururu, quando vejo um bando de alunos saindo da escola sem nada a ganhar. Ninguém merece, meu irmão! Uma aula chata, tá ligado? O efeito dominó gera uma grande insatisfação por falta de entendimento e respeito aos diálogos.

É no jogo das palavras que elas se renovam, criam uma identidade...
Convite

“ Poesia
É brincar com palavras
Como se brinca
Com bola, papagaio, pião
Só que bola, papagaio, pião
De tanto brincar
Se gastam

As palavras não
Quanto mais se brinca
Com elas
Mais novas ficam...”
( José Paulo Paes)
E afinal, quem não faz uso delas?