domingo, 18 de outubro de 2009

Fundador da Escola Moderna

Em 13 de outubro de 1909, o educador catalão Francisco Ferrer y Guardiã foi fuzilado, acusado de ter participado da "semana trágica". A série de protestos da população de Barcelona contra a guerra da Espanha e Marrocos, que ocorreu em julho daquele ano, afetou diretamente a carreira daquele que foi o fundador da chamada "Escola Moderna", em 1901.

O livro "O Racionalismo Combatente" (Imaginário, 2003) percorre a trajetória educacional e de luta do educador. A instituição combatia todos os preconceitos que impediam a emancipação total do indivíduo, adotava o racionalismo humanista e defendia que as crianças reconhecessem a origem de todas as injustiças sociais a fim de combatê-las e se opor a elas.

No Brasil, foram abertas cerca de 20 escolas, em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. O governo cassou o funcionamento destas instituições 18 anos após terem surgido. No trecho abaixo extraído do livro, Ramón Safón descreve como surgiram as Escolas Modernas, os fundamentos dessas instituições e como foi para Ferrer y Guardiã implantar um novo modelo de pedagogia à época.

Atenção: o texto reproduzido abaixo mantém a ortografia original do livro e não está atualizado de acordo com as regras do Novo Acordo Ortográfico. Conheça o livro "Escrevendo pela Nova Ortografia".
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Inauguração da Escola Moderna

Escolas laicas, escolas anticlericais, escolas anarquistas existiam, evidentemente, mantidas pela Sociedade dos livre-pensadores, pelos centros operários, pelos ateneus, mas segunda as observações de Ferrer, ele considerou que umas (as laicas e as anticlericais) professavam uma pedagogia moderada, e que as outras (aquelas dos centros operários e dos ateneus) eram demasiado marcadas política e socialmente. Denominavam-nas, por sinal, "o berço do anarquismo" e elas causavam medo, não apenas às classes superiores e intelectuais reinantes, mas particularmente à opinião pública de classe média e até mesmo popular. Elas causavam mais medo ainda porque a revolução parecia iminente.
A isso, Ferrer preferia evitar assustar os homens de boa vontade, embora conservando um objetivo revolucionário apoiando-se em novas pedagogias ligadas à evolução do progresso humano em geral, e manter o rumo para a liberação do homem.
Divulgação

Livro traz a trajetória do educador que fundou a "Escola Moderna"

No início do século, a Espanha contava com 72% de analfabetos em sua população. Em 1909 (ano do assassinato de Ferrer), 30.000 vilarejos não tinham escola. A Igreja possuía 80% do ensino privado: 294 comunidades religiosas de ensino para a educação de meninos e 910 para a educação das meninas. Só na cidade de Barcelona as escolas confessionais elevavam-se a 489, contra 137 não confessionais, estatais ou privadas, as quais acolhiam apenas 20.000 alunos sobre uma população de 60.000 crianças a escolarizar.

É nessa situação escolar que Ferrer contatará seu amigo José Prat, anarco-sindicalista e diretor da publicação libertária Natura, para comunicar-lhe sua intenção de abrir uma escola racionalista em Barcelona, a fim de combater, escreve "a religião, os falsos conceitos da propriedade, do nacionalismo, da família...". Mas se afastando dos meios anarquistas para evitar as interferências governamentais, por um lado, e, por outro, na esperança de encorajar todas as boas vontades de esquerda a juntar-se a ele. Uma grande parte da intelligentsia liberal espanhola participou, seja no Boletim da Escola Moderna, seja na constituição da Biblioteca. Pío Baroja dedicar-lhe-á seus livros, mas não deixará de verter sua cólera, posteriormente, contra Ferrer. Benito Pérez Galdós presidirá um banquete em sua homenagem e escreverá uma obra de correspondência manuscrita para uso da escola.

Mas as adesões dos intelectuais espanhóis não foram todas dessa ordem, sobretudo na época do processo de Ferrer, quando as manifestações de protesto internacional colocavam a Espanha numa situação delicada perante os países civilizados. Protestos insustentáveis para todo bom espanhol. Assim, vejamos a venenosa opinião de Unamuno no momento da execução de Ferrer:
"Enfim, fuzilaram o fantoche, o polichinelo Ferrer, mistura de louco, imbecil e criminoso, covarde e poltrão; o monomaníaco com delírios de grandeza e erostratismo, que provocou uma campanha indecente (contra a Espanha, entenda-se) de mentira e calúnias."
Isso diz muito sobre o genial filósofo. E sobre todo país que busca afogar sua própria consciência entoando o refrão nacionalista.

Para dirigir sua escola, Ferrer constituiu uma junta consultativa, a qual, entusiasmando-se com o projeto de abertura, propôs uma inauguração em grande pompa (con ostentación), voto que foi rejeitado por Ferrer (desechada por mi consciencia y voluntad), porque ele queria fazer uma inauguração discreta, sempre na esperança de não atrair os raios de seus inimigos. Ela se deu simplesmente com uma assistência composta pelas famílias dos alunos, de pessoas e personalidades interessadas, gente informada por uma nota de imprensa e... de delegados das sociedades operárias convidadas "porque (estas últimas) muito o ajudaram", indicará Ferrer. Só uma semana depois ele advertiu a imprensa local para que ela fosse ver e constatar o bom funcionamento da Escola.

O efetivo do primeiro ano, em 1901, foi de 30 alunos: 12 meninas e 18 meninos. De 1901 a 1903, o número de alunos passou de 30 a 114, progressão respeitável se levarmos em conta as adversidades tenazes que entravavam e estavam prestes a destruir a Escola. O que não tardou a se produzir, clero e Estado agarrando a oportunidade pelos cabelos.
Em contrapartida, um outro efeito da ação pedagógica de Ferrer, esta muito mais persistente, foi a edição de livros escolares publicados para uso da Escola Moderna, mas que inúmeras escolas privadas da época utilizaram: umas sessenta sociedades, centros, ateneus, federações de associações operárias. E mesmo depois, quando a Escola Moderna foi proibida pelo Estado, a utilização não cessou de ampliar-se.
Fonte:Folha online

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