domingo, 9 de agosto de 2009

O que há de errado com seu pai?


Alguém já disse: “é importante gastar menos tempo
com a nossa aparência e mais tempo com como nós vemos”?
Se não, alguém deveria.

Carmen Richardson Rutlen


Eu estava no ginásio antes de perceber que meu pai tinha um defeito de nascença. Ele tinha lábio leporino e fenda palatina, mas, para mim, continuava com a mesma aparência que tinha no dia em que nasci. Lembro-me de dar-lhe um beijo de boa noite certa vez, quando eu era pequena, e perguntar se meu nariz ficaria chato depois de uma vida inteira dando beijos. Ele me assegurou que isso não aconteceria, mas me recordo de um tremor em seus olhos. Tenho certeza de que ele estava assombrado por ter uma filha que o amava tanto, que pensava que seus beijos, não trinta e três cirurgias, haviam remodelado seu rosto.

Meu pai era gentil, paciente, atencioso e amoroso. Ele nunca encontrou uma pessoa na qual não pudesse vislumbrar qualidades. Sabia o primeiro nome de serventes, secretárias e diretores. Na verdade, acho que ele gostava mais dos serventes. Sempre perguntava sobre suas famílias, sobre quem eles achavam que iria ganhar o campeonato de futebol e sobre como andava a vida. Preocupava-se o suficiente para escutar suas respostas e lembrar-se delas.

Papai nunca deixou que sua deformação comandasse sua vida. Quando foi considerado muito feio para trabalhar com vendas, começou a fazer entregas de bicicleta e criou sua própria clientela. Quando o exército não permitiu que ele se alistasse, ele se ofereceu como voluntário. Chegou até mesmo a convidar uma Miss América para sair, uma vez.
- Se você não perguntar, nunca vai saber- disse-me mais tarde.

Raramente falava ao telefone, pois as pessoas tinham dificuldades para entendê-lo. Quando o encontravam pessoalmente, com sua atitude positiva e sorriso fácil, pareciam não levar sua deficiência em consideração. Casou-se com uma linda mulher e tiveram sete crianças saudáveis, que achavam, todas, que o sol e a lua nasciam em seu rosto.

Quando eu era uma “adolescente sofisticada”, entretanto, mal tolerava estar no mesmo aposento com este homem que, durante uma década, me aturou enquanto eu o observava fazendo a barba todas as manhãs. Meus amigos eram chiques, na moda e populares; meu pai era velho e ultrapassado.

Numa noite eu cheguei com o carro cheio de amigos e paramos na minha casa para fazer um lanche de madrugada. Meu pai saiu de seu quarto e cumprimentou meus amigos, servindo refrigerantes e fazendo pipoca. Um de meus amigos me puxou para o lado e me perguntou:
- O que há de errado com seu pai?

De repente, olhei através da cozinha e o vi pela primeira vez com olhos imparciais. Fiquei chocada. Meu pai era um monstro! Fiz com que todos saíssem imediatamente e levei-os para casa. Senti-me tão idiota. Como podia ter deixado de ver?
Mais tarde, naquela noite, eu chorei, não porque percebi que meu pai era diferente, mas porque percebi que pessoa fútil e patética eu estava me tornando. Ali estava a pessoa mais doce e carinhosa que você poderia pedir e eu o havia julgado por sua aparência.

Naquela noite eu aprendi que, quando você ama totalmente alguém e então a vê através dos olhos da ignorância, do medo ou do desprezo, começa a entender a profundidade do preconceito.Eu havia visto meu pai como os estranhos o viam, como alguém diferente, deformado e anormal. Sem me lembrar que ele era uma boa pessoa que amava sua esposa, seus filhos e seus semelhantes. Ele tinha alegrias e tristezas e já vivera uma vida inteira sendo julgado pelas pessoas por sua aparência. Fiquei grata por tê-lo conhecido primeiro, antes que as pessoas me mostrassem seus defeitos.

Papai já se foi. Empatia, compaixão e preocupação pelo próximo são o legado que ele me deixou. São os maiores presentes que os pais podem dar a um filho- a capacidade de amar os outros sem considerar sua posição social, raça, religião ou incapacidades físicas, mas os dons da perseverança positiva e do otimismo. O sublime objetivo de ser tão amorosa em minha vida que receba beijos o bastante para que meu nariz fique chato.


Carol Darnell

Fonte: Histórias para Aquecer o Coração



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